«HISTÓRIA DUMA VELHA BARCA – A “MARIA PALMIRA”
Quem se der a percorrer essa maravilhosa estrada que vai de Ovar a S. Jacinto, há-de encontrar na Quinta da Torreira, parte duma região paradisíaca que a Ria de Aveiro banha, uma velha barca assente sobre uma duna e um suporte de cimento que ainda hoje ostenta quase apagado o nome de Maria Palmira. Antigamente a sua vida era vogar sobre as águas da Ria onde se mantinha com garbo entre as poucas embarcações que a esse tempo fundeavam nesta parte da laguna. Mas com o tempo o casco da linda barca foi apodrecendo e, já anciã e insegura, para se fazer ao largo, foi arrastada para terra e conduzida para ali por uma dúzia de juntas de bois a fim de ser preservada desse infalível afundamento a que estava sujeita por excesso de anos.
Talvez não fosse esse o seu sonho de barca linda; mas o certo é que hoje, a velha barca, transformada numa espécie de habitação da areia, com a coberta toda envidraçada e servindo de magnífico Bar, lembra um desses transatlânticos modelares que alguma maré mais viva fizesse encalhar num banco de coral. Já não vai em noites de luar ouvir as ondas marulharem canções desconhecidas; mas em contra-partida encontrou aquele sossego calmo que, quantos de nós gostaríamos de ter assegurado no fim sempre fatal da vida.
Francisco Ramada, contando-nos a história dessa velha barca, disse-nos que ela representava um pouco da própria história da sua vida. Tudo se passou há muitos anos, já, quando um abatimento moral e físico pareciam querer vitimá-lo para sempre.
– “Porque não vais até à barca disse-lhe sua mulher ao vê-lo assim. Pouco adiantaria, mas Francisco Ramada foi; e a barca fez o milagre. Só, em plena imensidão das águas, a pouco e pouco a confiança que havia perdido, voltou a ele; recuperou a saúde e de tal modo, que quando oito dias depois voltou à consciência dos seus dir-se-ia ter adquirido uma vida e uma alma novas. Por isso ele quis conservar a Maria Palmira, aquela barca velha, que já foi nova um dia e era o orgulho da própria Ria.»
In “História da Indústria em Portugal” de Correia de Azevedo de 1960.
A história da Barca remonta a 1921, quando Francisco Ramada se atreveu a construir uma grande embarcação inspirada nas que percorriam o Rio Tamisa. A Barca viria, assim, a ser a casa de férias da família Ramada.
Durante 26 anos navegou na Ria de Aveiro, fazendo as delícias dos que dela puderam desfrutar. Decorria o ano de 1947 quando a Barca foi colocada em terra.
Imponente na sua dimensão e majestosa pelas suas características, foi passando por diversas gerações que têm garantido a sua preservação como jóia da família Ramada.
Em 2021 completou 100 anos. Continua a receber a bordo a família, os amigos, e a oferecer uma das mais belas vistas panorâmicas da Ria.